Como um time do sertão nordestino ousou acreditar no impossível e conquistou o Brasil com garra e amor à camisa – ingredientes que faltam na maioria dos clubes e que sobram na Coruja
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_bc8228b6673f488aa253bbcb03c80ec5/internal_photos/bs/2020/H/r/QDilQIQNeoPCdWcv4IRA/afogados-x-atletico-1.jpg)
Não faltou garra para o Afogados na partida da Copa do Brasil: até com um a menos o time se superou para derrubar um gigante — Foto: Bruno Cantini / Atlético-MG
Mas… Creditar ao acaso a classificação da Coruja (mascote escolhido segundo o clube pela inteligência e sabedoria) soa como um desrespeito a um grupo de homens briosos que ousaram acreditar. Que viram, em manchetes doídas e que reflete uma desigualdade do próprio país,que o maior salário do time equivale a apenas 1% do que ganha o astro adversário, Diego Tardelli, que sequer entrou em campo na quarta-feira.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_bc8228b6673f488aa253bbcb03c80ec5/internal_photos/bs/2020/E/j/8qHbPqQcCHBQdlAFVpfQ/clip005-frames-afogados-05.jpg)
Candinho Afogados x Atlético-MG — Foto: Reprodução
Um time que brigou como nunca pelo prato de comida – algo literal, se considerarmos que o prêmio pela classificação, R$ 1,5 milhões, paga a folha anual do elenco.
A classificação do Afogados tem um quê de futebol raiz. A começar pelo goleiro Wallef e o seu bonezinho. Não para lançar moda, nem para se proteger do sol. Simplesmente porque ele sempre o usa e não tinha para que mudar. Seria algo como pedir a Petr Cech tirar o capacete só porque estava numa final de Liga dos Campeões.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_bc8228b6673f488aa253bbcb03c80ec5/internal_photos/bs/2020/v/7/0gexSmQ3mzOBqBh8BJbg/clip002-novos-frames-afogados-02.jpg)
Wallef e o seu bonezinho: dois pênaltis defendidos e novo herói da simpática Afogados de Ingazeira — Foto: Reprodução
E como foi lindo. Foi épico.
Primeiro porque o Afogados não se curvou às propostas tentadoras de tirar o jogo de seu estádio. O jogo foi lá, no Vianão, em Afogados. Um presente para a cidade, que pela primeira vez recebeu um gigante do futebol brasileiro – tirando, claro, os times de Pernambuco que já sentiram o calor sertanejo no campeonato estadual.
Estadinho raiz, daqueles que existem às centenas no Brasil, mas que são ofuscados pelas modernas arenas. Em Afogados o ônibus dos times estaciona ali, na rua mesmo. O desembarque dos jogadores é pertinho da torcida. Dá até para ir à casa de dona Maria, vizinho do estádio, e tomar um cafezinho com bolachas. Com direito a hospitalidade nordestina tão comum nas cidadezinhas do interior.
O modesto Estádio Vianão, em Afogados de Ingazeira, foi palco de uma das maiores zebras da história da Copa do Brasil — Foto: Coruja do Sertão / Divulgação
Nada de vestiários iluminados, revestidos de mármore suntuoso que custaram milhões e que transformaram o estádio não numa praça de futebol, mas na tal arena multiuso. Em Afogados da Ingazeira ali é o lugar sagrado do futebol. Um estadinho com cara dos anos 40 e 50. Os mais antigos hão de se lembrar das primeiras Taças do Brasil, a precursora da hoje milionária Copa do Brasil.
E foi nele que o Atlético-MG pisou no gramado do sertão nordestino. Convivendo com as mariposas que emolduram os refletores. É isso, não conhecia? Bem vindo ao interior do Brasil, companheiro!
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_bc8228b6673f488aa253bbcb03c80ec5/internal_photos/bs/2020/G/6/jdjpTvS4Cpkn0LaXuGwg/afogados-x-atletico-1-tempo-frame-12416.png)
Atlético-MG em campo no sertão pernambucano: nem o mais pessimista torcedor poderia imaginar o que estava por vir. — Foto: Reprodução/Globo
Foi assim que o time da folha modesta de R$ 100 mil ficou duas vezes à frente do marcador de um gigante que investiu mais de R$ 50 milhões para disputar todos os títulos da temporada – e que em menos de um mês se despediu de duas competições.
Foi também assim que esse time, o Afogados, viu o adversário empatar e, com um a menos, teve que tirar forças do olimpo para segurar a igualdade e levar a decisão para os pênaltis.
Ali, que fique bem claro, o Afogados já tinha feito muito. Já contava com o reconhecimento dos seus torcedores. E, ao mesmo tempo, ia ganhando milhões de simpatizantes em todo o Brasil. Não é exagero dizer: quem não era atleticano vestiu o azul, vermelho e branco. Roeu as unhas, sofreu com os dois primeiros pênaltis perdidos. E, como num conto de fadas, viu o imponderável acontecer.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_bc8228b6673f488aa253bbcb03c80ec5/internal_photos/bs/2020/1/g/R4QEzGQimV5PEWDPnfUQ/erwehu8waaahzbr.jpg)
Jogadores do Afogados comemoram a classificação histórica com festa nos vestiários — Foto: Divulgação / Ascom Afogados FC
Wallef, o goleiro do bonezinho, pegou duas cobranças. Viu a última atleticana ser cobrada para fora. Como nas mais dignas peladas de terrão, teve a chance de bater o último pênalti. Ouviu do zagueiro Heverton que era com ele. Com a humildade dos grandes, abriu mão da consagração definitiva. Até porque o bem maior é a conquista coletiva.
O pênalti de Heverton nem foi tão bem cobrado assim. O falastrão Michael quase pega. A bola entrou chorando. Pouco importa. Foi melhor assim para emoldurar a nova versão do “Eu Acredito”. Em nordestinês puro, da gema.
Torcedor conhecido por Riva do Afogados levou galo para as ruas; carreata para comemorar a maior façanha da história do clube — Foto: Claudio Gomes/ Ascom Afogados FC
Afogados de Ingazeira não será mais conhecida apenas por ser a casa de Yane Marques, a maior pentatleta do esporte brasileiro. Agora é conhecida por seu time de futebol, algo como um “Jamaica abaixo de zero” da versão contemporânea do esporte mais popular do mundo.
E que não me venham hoje as manchetes dos jornais insinuar que “o Atlético Mineiro foi eliminado”. Ou, num daqueles trocadilhos infames, que “o Galo se afogou”. Não. Seria justo e mais nobre dizer que o Afogados chegou à terceira fase da Copa do Brasil e ensinou para o mundo que é possível.
Definitivamente, não é só futebol.
É futebol das antigas.
Por Expedito Madruga
Obrigado Afogados.
Expedito Madruga — Foto: GloboEsporte.com