Governo Bolsonaro apontou custo e incerteza ao justificar atraso em adesão a consórcio de vacinas, mostra CPI

As informações estão em documentos do Ministério da Economia enviados à CPI da Covid e mostram que, em agosto de 2020, o governo calculou que seria necessário destinar de US$ 420 milhões a US$ 1,3 bilhão ao consórcio para vacinar 20% da população (compromisso inicial do Covax).

O valor foi considerado alto pela pasta.

“O Brasil ainda não decidiu a sua participação em razão, principalmente, do alto valor, do investimento de risco, das incertezas sobre preços e escala de produção, da necessidade de envolver muitos atores e também porque o Brasil já tem outros acordos para desenvolver a vacina com maior compartilhamento de risco”, afirmou a pasta da Economia em nota técnica de agosto.

O investimento inicial demandado, de 15% do total, foi considerado à época pelo governo como um investimento de risco porque ainda não havia uma vacina aprovada.

O Covax foi uma iniciativa apoiada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para reunir países interessados em comprar uma vacina que até então ainda não tinha sido criada, o que, inclusive, aceleraria o desenvolvimento do imunizante.

Apesar das incertezas, 77 países já haviam demonstrado interesse no consórcio quando o documento da Economia foi produzido.
Durante o processo, duas reuniões foram feitas no governo sobre a Covax com a presença de membros do Ministério da Economia.

Uma no Palácio do Planalto, em 2 de junho, em que estiveram presentes os ministros Walter Braga Netto (então na Casa Civil) e Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia), além dos então ministros Eduardo Pazuello (então na Saúde) e Ernesto Araújo (enão no Itamaraty) e do secretário especial Carlos da Costa.

A outra, em 5 de agosto, reuniu somente integrantes da Casa Civil e da equipe econômica.

O Brasil tinha inicialmente até o dia 31 de agosto para repassar a verba que assegurava a adesão, mas pediu mais tempo. Em 17 de setembro, na véspera de o prazo se encerrar, o governo informou que iria solicitar um novo adiamento.

Em nota, a Secretaria de Comunicação do governo justificou na época que estudava criteriosamente a participação do Brasil e que, “assim como outros países, segue em tratativas junto à Aliança Global de Vacinação para a extensão do prazo” para a adesão.

“Tal medida se faz necessária para obter mais informações sobre as condições para a aprovação regulatória, instrumento jurídico aplicável, vacinas em desenvolvimento, suas características de armazenamento e transporte logístico”, apontou.

O governo, no entanto, não detalhou os pontos em análise. Mesmo após fazer o pedido por mais tempo, o governo acabou anunciando sua entrada no Covax no dia seguinte -em 18 de setembro.

Apesar de ter tido a chance de comprar mais vacinas no Covax, o país entrou no consórcio garantindo a imunização de apenas 10% da população. As vacinas serão entregues até o fim de 2021, e o valor total ficou em R$ 2,5 bilhões (liberados no fim de setembro).

Os valores divulgados pelo governo indicam hoje que, apesar da preocupação inicial, o Brasil está pagando mais barato pela vacina fornecida pela Covax (cerca de US$ 11 por dose) do que o cobrado pela Pfizer do governo americano, por exemplo (US$ 19 por dose).

Ao todo, o acordo do Brasil com a Covax envolve a entrega de 42,5 milhões de doses até o fim deste ano. Além dos 2,9 milhões neste trimestre -do qual só 1 milhão foi entregue-, estava prevista mais uma remessa de 6,1 milhões até maio e 33 milhões até dezembro.

Durante o processo, o Ministério da Economia reafirmou que não tinha responsabilidade de decidir sobre a compra de determinada vacina, pois isso se tratava de uma decisão de saúde pública.

A pasta participou do processo sugerindo em vários momentos o uso da encomenda tecnológica para a aquisição (uma lei que rege a compra pública em casos de risco tecnológico).

Assim como tinha feito em junho, o Ministério da Economia elaborou uma análise no documento de agosto sobre as encomendas tecnológicas dizendo que o processo de encomenda de uma vacina era altamente incerto.

“Simplesmente não se sabe, com um nível mínimo de certeza, se é possível desenvolvê-la e muito menos os exatos custos para tanto”, afirmou o ministério.

A pasta chegou a citar no documento de agosto que a encomenda tecnológica “existe para resolver problemas, e não apenas realizar desenvolvimento tecnológico guiado pela curiosidade”.

Também argumentou que as compras com esse instrumento são processos caros e complexos e que, por isso, “só devem ser utilizadas em casos muito específicos, devidamente justificados” e que o objetivo da lei em análise é encontrar uma solução, “e não promover o desenvolvimento científico e tecnológico descompromissado”.

Como exemplo, chegou a mencionar um caso hipotético para a despoluição do rio Tietê, em São Paulo.

“Imagine o risco tecnológico da encomenda de uma solução para a despoluição a baixo custo do rio Tietê, ou mesmo do desenvolvimento de um jaleco médico com tratamento antibacteriano, não inflamável e que avise no caso de uma contaminação. Agora compare com a compra de munição para suprir a Polícia Federal”, disse a pasta no documento, sem se aprofundar ou prosseguir na comparação.

Após cinco páginas, a Economia conclui que o instrumento era inadequado no caso do Covax.

Na MP (medida provisória) que autorizou a compra, o governo apenas dispensou a aquisição da lei das licitações e outras normas, já que não se tratava de uma aquisição que se encaixava nos moldes previstos nos normativos.

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